segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Temos muitos problemas ou muitas bençãos?

Postado por Gabi às 19:38

Mensagens Angelicais

  Eu tinha todo o direito de estar zangado. Se você tivesse enfrentado uma semana como a minha, também teria ficado zangado.

Meus problemas começaram na noite de domingo. Eu ainda morava no Brasil e levava alguns parentes ao sul daquele país para ver as cataratas do Iguaçu. Um vôo cancelado deixou-nos encalhados por diversas horas no aeroporto de São Paulo. Sem nenhum aviso. Sem nenhuma explicação. Apenas uma notificação quando estávamos aterrissando de que o avião que iríamos tomar não ia a parte alguma. Se quiséssemos, podíamos esperar duas horas e tomar o próximo.

“Se quiséssemos!” Grrrr.

Quando chegamos ao hotel, chovia. Choveu até o dia da volta.

Determinado a filmar as cataratas, carreguei minha filmadora de vídeo por quase dois quilômetros no meio de um temporal. Não estou falando de uma garoa ou um chuvisqueiro ou uma pancada, estou falando de um aguaceiro cegante. Quando cheguei às cataratas, percebi que havia deixado a máquina ligada durante a hora passada e filmado o interior da bolsa da filmadora e descarregado a pilha.

Quando voltei ao hotel, percebi que a chuva havia estragado a filmadora. Qual a extensão do estrago? Trezentos dólares de estrago. Era quarta-feira. A semana ainda não havia terminado.

Quando voltei ao Rio, fiquei sabendo que Denalyn (sua esposa, observação nossa) havia dito à família dela que iríamos passar o Natal daquele ano com eles. Eu já dera minha palavra à minha família que iríamos passar as festas com eles.

Quinta-feira foi o dia decisivo. Denalyn me ligou em casa. Nosso carro estava quebrado. O carro que momentos antes estava em ótimas condições. O carro que o revendedor havia garantido valer muito mais do que tínhamos pago. O carro que o revendedor havia jurado não ter nenhum problema. Quebrou. Na cidade. Outra vez. No meu dia de folga.

Fui a pé ao shopping Center. Não falei com ninguém. Ninguém se atreveu a falar comigo.

Sentei-me no carro e tentei dar a partida. Não tive sorte. Quando virei a chave na ignição, tudo o que conseguia ouvir eram as promessas do revendedor e o tilintar da máquina registradora do mecânico. Passei uma hora lutando com um carro quebrado num estacionamento.

Por fim chamei o mecânico. O guincho estava ocupado. Será que eu podia esperar uns minutos? No Brasil, a palavra minutos pode ser melhor traduzida por “anos”. Assim, esperei. E esperei. E esperei. Meus filhos cresceram e tiveram seus próprios filhos e eu ainda esperava.

Enfim, quando o sol já se punha, o guincho apareceu. “Coloque em ponto morto”, instruíram-me. Ao entrar no carro, pensei: Bem que eu poderia tentar mais uma vez. Virei a chave na ignição. Adivinhe o que aconteceu? Acertou. O carro pegou.

Isso deveria ser sido boa notícia. E foi, até que vi o motorista do guincho sem pressa alguma de ir embora. Queria ser pago.

- Pelo quê? – implorei.

- É culpa minha se o seu carro pegou? – replicou ele.

Foi muito bom que eu não soubesse dizer “vigarista” em português. Assim, paguei-lhe para me ver dar partida no meu carro.

Imediatamente levei o carro ao mecânico. Enquanto dirigia, dois demônios chegaram e se empoleiraram no meu ombro. O fato de eu não poder vê-los em nada os tornava menos reais. Eu podia ouvi-los – eles falavam a linguagem do Mentiroso.

Um era a raiva. Se havia alguma coisa que eu não estivesse com raiva naquele momento ele deu um jeitinho para que eu ficasse. Minha lista de ofensas tornou-se longa e feia.

O outro era a autopiedade. Nossa, que ouvido atento ele encontrou. Eu não havia tido apenas uma semana ruim, ele me fez lembrar que havia sido atormentado por uma vida ruim! Nasci com a desvantagem de ter sardas e cabelos ruivos. Sempre lerdo demais para corridas. Jamais fui considerado como “o que tem maior probabilidade de sucesso”. E agora, um missionário sofrendo em terra estranha.

Raiva num ouvido e autopiedade no outro... Se em seguida eu não tivesse visto o que vi, quem pode saber o que eu teria feito?

Ele não parecia um anjo. De fato, parecia tudo menos um anjo. Mas sei que era um anjo, pois somente anjos trazem esse tipo de mensagem.

Ele bateu na janela do carro.

- Trocadinho, senhor? –

Tinha, no máximo, nove anos. Sem camisa. Descalço. Sujo. Tão sujo que eu não podia dizer se usavashorts ou não. O cabelo estava emaranhado. A pele encrostada. Abaixei a janela. As vozes em meu ombro se calaram.

- Como se chama? – perguntei.

- José.

Olhei para a calçada. Dois outros órfãos das ruas caminhavam na direção dos carros que estavam atrás de mim. Estavam nus exceto por uns esfarrapados shorts de ginástica.
- São seus irmãos? – perguntei.

- Não, só amigos.

- Já conseguiu muito dinheiro hoje?

Ele abriu uma mão suja cheia de moedas. Dinheiro suficiente, talvez, para um refrigerante.
Apanhei a carteira e tirei o equivalente a um dólar. Seus olhos brilharam. Os meus marejaram. O sinaleiro mudou e os carros atrás de mim buzinaram. Ao me afastar, vi-o correndo para contar aos amigos o que ele havia recebido.

As vozes em meu ombro não se atreveram a dizer palavra alguma. Nem eu. Nós três continuamos em silêncio envergonhado.

Achei que já havia dito o bastante. E Deus havia escutado cada palavra.

E se Deus tivesse atendido aos meus resmungos? E se ele tivesse dado ouvido às minhas reclamações? Poderia ter feito isso. Poderia ter respondido às minhas preces murmuradas descuidadamente. E se ele tivesse escolhido fazê-lo, um protótipo da resposta havia acabado de aparecer à minha porta.

“Não quer ter de mexer com companhias aéreas? Este menino não tem esse problema. Frustrado com a sua filmadora de vídeo? Essa é uma dor de cabeça que esse menino não tem. Ele pode ter de se preocupar com o jantar desta noite, mas não tem de se preocupar com filmadoras de vídeo. E família? Estou certo de que este órfão aceitaria com todo o prazer uma das suas famílias se você estiver ocupado demais para apreciá-las. E carros? Sim, são uma amolação, não são? Você deveria tentar o meio de transporte desse menino – pés descalços.”

Deus enviou o menino com uma mensagem. E a essência do que o menino demonstrou era afiada como uma navalha.

“Está chorando por causa de champanhe derramada.”

“Suas reclamações não são causadas pelas necessidades, mas pela abundância de benefícios. Você choraminga por causa dos supérfluos, não do básico; por causa dos benefícios, não dos essenciais. Suas bênçãos são a fonte dos seus problemas.”

José deu-me muito por um dólar; deu-me uma lição sobre gratidão.

Gratidão. Coscientizar-se mais daquilo que se tem do que aquilo que não se tem. Reconhecer o tesouro das coisas simples – o abraço de uma criança, um solo fértil, um ocaso dourado. Regalar-se no conforto do que é comum – uma cama aquecida, uma refeição quente, uma camisa limpa.

Fonte: LUCADO, Max. Seis horas de uma sexta feira / tradução Wanda Assumpção. – 2. Ed. – São Paulo: Editora Vida. 2007.

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